A “Síndrome do Pescoço Tecnológico” pode ser considerada uma síndrome emergente do século XXI. Esta condição clínica refere-se ao início da degeneração da coluna cervical que resulta do estresse repetido da frequente flexão da cabeça para frente enquanto olhamos para as telas de dispositivos móveis e enquanto “enviamos mensagens de texto” por longos períodos de tempo.
Não apenas o grau de flexão do pescoço é relevante, mas também a frequência que induz efeitos aditivos na fisiologia do pescoço. De fato, a flexão anterior frequente pode alterar a coluna cervical, curvatura, ligamentos de suporte, tendões, musculatura, segmentos ósseos causando alteração postural e dor no pescoço e áreas associadas.
O peso da cabeça na coluna aumenta dramaticamente quando ela é flexionada para a frente, e os efeitos e a quantidade de peso são mais fortes e progressivamente intensificados pela variação dos graus.
Epidemiologia
Na população em geral, a incidência de dor no pescoço pode chegar a 40%. Dados epidemiológicos indicam que 73% dos estudantes universitários e 64,7% das pessoas que trabalham em casa têm dores no pescoço ou nas costas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a cervicalgia (dor no pescoço) e outras doenças musculoesqueléticas como a 4ª e a 10ª condição patológica mais prevalentes, respectivamente.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dor no pescoço é a 8ª razão de incapacidade em jovens de 15 a 19 anos.
Evidências emergentes mostram que crianças e adolescentes com dor persistente têm um risco aumentado de dor crônica quando adultos.
75% da população mundial está debruçada sobre seus dispositivos portáteis horas por dia com a cabeça flexionada para a frente.
Crianças e adolescentes passam em média de 5 a 7 horas por dia em seus smartphones e dispositivos portáteis com o pescoço fletido para ler e enviar mensagens de texto.
Os efeitos cumulativos dessa exposição atingem resultados alarmantes de estresse excessivo na região da coluna cervical, variando em média de 1825 a 2555 horas por ano!
Um grande número de estudos relata uma associação significativa em estudantes do ensino médio entre dor no pescoço e uso semanal do computador por nove ou mais horas.
Estima-se que cerca de 7 em cada 10 crianças com menos de 8 anos (cerca de 70%) assistiram a vídeos no YouTube durante a vida e jogaram videogame em um dispositivo móvel, enquanto apenas 59% das crianças assistiram a programas de TV ou filmes em um dispositivo móvel. Apenas 28% das crianças leram um livro em um smartphone ou tablet.
Postura
A postura é o conjunto de forças do corpo humano destinado a resistir à gravidade enquanto os humanos estão em pé, sentados ou em movimento, mantendo uma posição ereta.
O sistema visual é de suma importância para a neurologia do sistema postural, pois controla 70% das atividades posturais. Havendo diminuição da acuidade visual ou disfunção do movimento ocular, os pacientes desenvolverão padrões de distorção postural para compensar o déficit. Nestas situações, primeiro é necessária a correção do sistema visual.
Postura Anterior da Cabeça
A Postura anterior da cabeça é definida como um padrão de distorção postural envolvendo a cabeça e o pescoço, caracterizado pela protrusão da cabeça no plano sagital de modo que ela se posicione anteriormente ao tronco. É encontrada em 2 tipos:
1. flexão da coluna cervical (como ao olhar para baixo em um telefone celular);
2. a parte inferior da coluna cervical permanece em flexão enquanto a coluna cervical superior é estendida para manter o olhar no nível horizontal (como quando alguém está olhando para uma tela de computador à sua frente).
A postura anterior da cabeça leva a forças de tensão mecânica nas articulações e ligamentos da coluna cervical e, como resultado, há aumento da força gravitacional na musculatura posterior do pescoço.
A postura inadequada do pescoço ao ler ou enviar mensagens de texto em computadores pessoais e telefones celulares leva à manifestação de um conjunto complexo de sintomas clínicos comumente definidos como “Síndrome do pescoço tecnológico”.
Morbidades associadas
O estresse mecânico na coluna cervical devido ao uso incorreto do telefone celular induz má postura e alinhamento corporal incorreto, que está associado a padrões de movimento disfuncionais, fraca capacidade de equilíbrio e função distorcida dos sistemas respiratório, circulatório, digestivo e nervoso. Isso pode diminuir a capacidade vital, causar disfunção da articulação temporo-mandibular, síndrome do túnel do carpo e prejudicar a propriocepção. Pior ainda, tirando anos de expectativa de vida dos pacientes.
Outra complicação das mensagens de texto é a radiação eletromagnética: de acordo com um estudo recente, telefones celulares, computadores, internet sem fio e televisões geram um campo eletromagnético de frequência extremamente baixa. A radiação eletromagnética pode causar uma grande variedade de sintomas: dificuldade para dormir, tontura, dores de cabeça, formigamento nas mãos, zumbido nos ouvidos, dor nos olhos, problemas cardíacos inexplicáveis, eletrossensibilidade, baixa imunidade, autismo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Crianças que usam mais de 1 a 2 horas por dia de tecnologia (o limite que os especialistas recomendam) têm um aumento de quase 60% nos distúrbios psicológicos.
Existe também uma relação importante entre o aumento da flexão do pescoço e o aumento do peso corporal, provavelmente devido à diminuição da atividade física.
Biomecânica
A postura com a cabeça para a frente tem sido associada ao aumento de carga na coluna cervical e mudanças no comprimento e força dos músculos cervicais. A postura com a cabeça para a frente perturba os delicados e complexos mecanismos de equilíbrio à medida que o Centro de Gravidade da cabeça se desloca na direção ântero-superior. Além disso, o Centro de Gravidade de todo o corpo será modificado e afetará o controle postural de todas as articulações.
Geralmente, os desequilíbrios musculares associados à postura com a cabeça para frente resultam da combinação do alongamento e enfraquecimento dos músculos anteriores do pescoço e da contração e rigidez dos músculos posteriores do pescoço.
Ocorrerá um efeito dominó ao inclinar a cabeça para a frente, pois o Centro de Gravidade é transferido para a frente. Para compensação, o tórax superior aumenta a curvatura cifótica da coluna torácica, o que resultará na elevação da lordose das vértebras lombares. A mudança do Centro de Gravidade afetará a biomecânica de toda a coluna, bem como a inclinação da pelve.
Evidências
Um estudo recrutou 180 pacientes, sem outras doenças, mas com diagnóstico de cervicalgia (dor no pescoço) musculoesquelética com espasmo. A faixa etária variou de 8 a 17 anos, com média de 14 anos. As características demográficas das crianças e adolescentes do estudo mostram que todos os 180 participantes (100%) relataram flexão anterior do pescoço (≥45 graus) enquanto estudavam e usavam smartphones e/ou tablets (em média de 5 a 7 horas por dia).
Como efeitos colaterais em curto prazo, o estudo mostra que a principal localização da dor é no pescoço (100% da amostra), seguida de dor nos ombros (69%), região lombar (61%) e depois nos braços ( 13%); os sintomas oculares são fadiga ocular (12%), olhos secos (7%) e miopia (3%); os efeitos psicológicos e sociais evidenciados neste estudo são irritabilidade (82%), estresse (62%), ansiedade (59%), má comunicação (82%) e queda nas notas escolares (64%).
Tratamento
A modificação da ergonomia do ambiente de trabalho e escolar (altura da cadeira, mesa e monitor), bem como o controle da iluminação e do brilho na tela do dispositivo, as pausas frequentes, a educação sobre postura correta (evitando a flexão excessiva do pescoço) e cuidados com os olhos são cruciais.
Deve-se evitar altas repetições de movimentos, como digitar ou deslizar por muito tempo. Assim como segurar dispositivos grandes ou pesados em uma mão por períodos prolongados.
Exercícios com o objetivo de inverter a postura, tarefas oculomotoras, fita postural, exercícios respiratórios podem ser indicados.
Para as crianças está indicado no mínimo 60 minutos por dia de atividade física moderada a vigorosa.
O Departamento Australiano de Saúde em 2012 publicou diretrizes sobre o tempo recomendado de uso de dispositivos móveis ou mídia eletrônica por crianças:
1. Crianças <2 anos: recomendado não assistir TV ou usar outras mídias eletrônicas (DVDs, computador ou jogos eletrônicos);
2. Crianças de 2 a 5 anos: não mais do que 1 h/dia sentadas e assistindo televisão e outras mídias eletrônicas (DVDs, computador ou jogos eletrônicos);
3. Lactentes, crianças pequenas e pré-escolares não devem ser sedentários, contidos ou mantidos inativos por mais de 1 hora por vez, exceto para dormir.
Fontes
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