Harvey Williams Cushing, figura mais importante na estória da Neurocirurgia, nasceu em Cleveland, Ohio, em 8 de abril de 1869. Seu pai, avô e bisavô foram médicos. Graduou-se em Yale em 1891, estudou Medicina em Harvard (MD, 1895). Começou a Residência cirúrgica no Hospital Johns Hopkins sob o comando de W.S. Halsted.
Cushing sempre teve a intenção de ser cirurgião mas se desviou para a Neurocirurgia mais ou menos acidentalmente. Sua rota para o cérebro evoluiu de um interesse precoce em problemas da anestesia na Cirurgia Geral. Isso o levou a trabalhar com cocaína como anestésico local e se interessar por bloqueios nervosos, seguido de interesse por problemas de dor facial, o que resultou em sua primeira publicação importante (1900), uma nova abordagem cirúrgica para a Neuralgia do Trigêmeo.
Foi no Hospital Johns Hopkins, entre 1901 e 1910, que Cushing desenvolveu as técnicas que o tornaram o pai da bem-sucedida Neurocirurgia.
A verdadeira inspiração espiritual de Cushing foi William Osler, médico-chefe no Hospital Johns Hopkins. Como seus antecessores, Cushing abordou o Sistema Nervoso Central sem o auxílio de imagem, dispositivos de navegação ou antibióticos.
Entretanto, ele conseguiu trilhar um novo caminho por onde outros falharam porque trouxe para o cérebro, a obsessão de W.S. Halsted com hemostasia e cautela, sua própria destreza, paciência e atenção obsessiva aos detalhes em todos os aspectos cirúrgicos e uma compreensão particularmente sofisticada dos problemas de pressão e anatomia intracraniana e vascular.
Em 1908, trabalhando apenas com sinais e sintomas na ausência de tecnologia de imagem eficaz, Cushing estava começando a ser capaz de localizar e ressecar tumores subdurais benignos em pacientes humanos – em um caso removendo um tumor enquanto conversava com o paciente. Neurocirurgia acordado no início do século 20!
Além disso, Cushing e sua equipe estavam desenvolvendo rotas para a abordar a glândula hipófise, primeiro em animais e depois em humanos. Então ele começou a tratar patologias cirúrgicas e clínicas da hipófise, trazendo contribuições inovadoras para o entendimento de sua fisiologia. Cushing foi o primeiro a conceber que a glândula hipófise produzia hormônios que influenciavam o crescimento.
Por volta de 1910, Cushing já havia criado no Hospital Johns Hopkins a Neurocirurgia como uma subespecialidade.
Em 1913, Cushing mudou-se para Boston, para se tornar professor em Harvard e cirurgião-chefe do novo Hospital Peter Bent Brigham. Os primeiros trabalhos de Cushing em Boston foram interrompidos duas vezes para servir na Primeira Guerra Mundial.
Na França em 1915 e então em 1917-18, realizou diversas cirurgias em campo de batalha. Sob pressão para tratar ferimentos na cabeça rapidamente, ele desenvolveu técnicas avançadas de desbridamento de feridas. Nos meses finais da guerra, foi vítima da gripe espanhola.
Durante a década de 1920, Cushing operou várias centenas de pacientes por ano, quase exclusivamente casos de tumores, com resultados continuamente impressionantes.
Em 1930, Cushing havia reduzido a mortalidade de seus casos para menos de dez por cento em uma época em que a maioria dos outros Neurocirurgiões ainda relatava mortalidade na faixa de 30 a 45 por cento.
Seu trabalho histológico sobre tumores com Percival Bailey levou a uma série de artigos e estabeleceu a base da classificação dos Tumores Cerebrais usada até os dias atuais.
Em 1926, o interesse de Cushing por um bisturi elétrico, desenvolvido pela W.T. Bovie, resultou na primeira aplicação da eletricidade pela Neurocirurgia.
Cushing treinou quase sozinho a primeira geração de Neurocirurgiões eficazes que então se espalharam pela América do Norte e Europa para iniciar uma nova especialidade.
Logo antes de se aposentar, ele ainda publicou o brilhante artigo: “Os Adenomas Basófilos do Corpo Pituitário e Suas Manifestações Clínicas (Basofilismo Pituitário)”, no qual delineou o que quase imediatamente ficou conhecido como Síndrome de Cushing e Doença de Cushing.
Cushing passou seus últimos anos em Yale, deixando lá sua grande biblioteca pessoal e o magnífico Harvey Cushing’s Brain Tumor Registry. Ele morreu em 1939.
O Harvey Cushing’s Brain Tumor Registry é uma imensa coleção composta por mais de 2.200 estudos de caso de pacientes: espécimes de cérebro humano inteiro, espécimes de tumores, lâminas microscópicas, notas, trechos de diários e mais de 15.000 negativos fotográficos, materiais que datam a partir de 1887. O material fotográfico ilustra os achados clínicos dos pacientes, revelando seus sinais e sintomas. O arquivo sobrevive em sua relativa totalidade.
Com absoluta certeza, a aquisição meticulosa de dados clínicos pelos Drs. Cushing. Eisenhardt e Bailey levaram ao refinamento da Cirurgia Neurológica. O valor de registrar com tantos detalhes e de forma tão organizada é incomensurável. Anotar e compilar com tanto esmero demonstra uma paixão e dedicação colossais à especialidade Neurocirurgia, aos seus discípulos e sobremaneira aos pacientes.
Cushing durante grande número de anos fez anotações diuturnamente em seus diários pessoais com pormenores de todos os pacientes avaliados, todas as cirurgias realizadas e todos os estudos desenvolvidos. Exímio desenhista, há figuras com uma riqueza fantástica de minúcias da anatomia cirúrgica.
Harvey Cushing foi movido por valores muito semelhantes aos de seu amigo e mentor William Osler. Ambos estavam totalmente comprometidos com o avanço da Medicina para melhor tratar os pacientes e servir a humanidade. Como Osler, Cushing às vezes falava de Medicina em termos quase religiosos. Em um discurso de 1926, “Consecratio Medici”, ele falou sobre “a religião prática do médico”, que era “não a promessa de bem-aventurança no futuro, mas a doação de saúde e felicidade na terra”. Ele concluiu com a citação de um médico anterior, Stephen Paget: “Se a vida de um médico pode não ser uma vocação divina, então nenhuma vida é uma vocação e nada é divino.
Fontes:
The Legacy of Harvey Cushing. Profiles of Patient Care
Harvey Cushing: A Biography, de Fulton